As feridas sangram e saram, mas as cicatrizes nunca nos deixam. E delas eu obtenho uma considerável coleção. Algumas ainda doem como se estivessem abertas, outras apenas latejam, entretanto todas, sem exceção, se tornaram aviso de alerta, um receio, uma não entrega. Lembrei-me esses dias de um amor adolescente e senti saudade. Senti falta do que se perdeu pelo caminho e deixou um vazio absurdo. Apesar de todas as coisas que de certa forma deixam lembranças banhadas em nostalgia, do que mais me dói a ausência é de mim. Do que era naquela época. Da entrega que não acontecerá mais. Da minha leveza e da doce inocência que irremediavelmente aos poucos foram ficando para traz. Umas das coisas que as cicatrizes melhor sabem fazer é modificar. Uma característica alterada aqui, um sonho perdido ali, um corte nas esperanças daqui, uns sorrisos desfigurados acolá. E você se torna irreconhecível. Eu me tornei. Certas vezes encontra-se pelo caminho alguém que reinvente um sorriso, mas trata-se de plástica superficial, se desfaz sem que demore muito tempo. A cicatriz profunda, a que reclama carícia em noites de chuva, não é exposta, portanto torna-se inalcançável às transformações vindas do toque alheio. Pois quem a gravou faz com que se acredite na impossibilidade de sua remoção. E sendo assim, para que mostrar um corte feio? Permanece desse modo, escondido atrás das horas corridas, dos sorrisos tá-tudo-bem, nem tá doendo tanto assim, eu agüento. Mas eu não agüento nada não. É pura fachada. Eu preciso é de colo. De quem tente tocar ainda que eu fuja. De carinho, preocupação, cuidados. Dedos entrelaçando os meus e outros limpando as gotas fugitivas que de vez enquando percorrem o rosto. De palavras que digam que vai passar e de alguém que fique até que passe. Mas você não vê. Ninguém vê. Porque eu oculto tudo isso quando digo que suporto e que sozinha consigo carregar o mundo. Porque quem vê sorrisos acredita em suposta alegria sem arriscar descobrir o que se esconde por trás deles.
“Light up your face with gladness. Hide every trace of sadness. Altho' a tear may be ever so near. That's the time you must keep on trying. Smile!” - Charles Chaplin
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